Morreu John Vicente. Um dos mais bem pagos especialistas da Teoria dos Jogos, contratado pelos governos mais poderosos do mundo. Caído da varanda do 7º andar onde morava, ninguém sabe se foi acidente, suicídio ou homicídio. Pela falta de dados conclusivos, Richard O'Sullivan, reconhecido psicólogo forense, é chamado a fazer uma autópsia psicológica, de forma a clarificar esta morte equívoca.
Afinal, o que aconteceu a este homem tão inteligente e poderoso, um homem que nunca tinha chorado, mas que foi encontrado morto com uma lágrima ao canto do olho e um sorriso na face? Richard O'Sullivan vai percorrer as múltiplas vidas de John Vicente, as conhecidas e as desconhecidas, entrará no espaço da sua existência e questionamento profundo, mas neste mergulho jamais voltará à tona igual.
Quando conheci Clarissa pela primeira vez, pouco sabia de tudo. Pela presença marcante na casa de John Vicente, foi a primeira viagem que fiz. Nessa altura ela já tinha voltado a casa, aos EUA. Lembro-me perfeitamente de ter embatido de frente com os seus olhos castanhos-mel de gata que vê no escuro, brilhantes e lumi- nosos, teimosamente nos meus. Havia uma humidade constante nos seus lábios que ludibriava o meu pensamento, um não sei o quê de rebeldia que podia confundir-se com luxúria ou então era só a naturalidade imensa com que se movia que podia confundir-se com sedução. Ou era talvez uma autenticidade quase infantil que provocava um homem, provocava desejos, confusão, tonturas. Era uma mulher espiral, hipnótica, de um brilho ensurdecedor tecido subtilmente nas entrelinhas da sua beleza selvagem.
Era difícil dizer-lhe a idade. A primeira imagem que me surgiu foi a de uma alma velha no corpo de uma menina tentadora. Tinha 29 anos. Estava tão à vontade no seu corpo que me provocou um sem número de sensações díspares, entre atirar-me de cabeça, mergu- lhando nas experiências de outro homem, ou manter-me ao largo, em total proteção e domínio. Mantive-me ao largo, sentindo de vez em quando ondas de calor que controlava, ridicularizando-me interior- mente por sentir tamanha incúria.
Encontrámo-nos numa gelataria perto do sítio onde trabalhava.
— Como está? – perguntei.
Ela olhou para dentro de mim e sorriu sem responder, deixando cair um pouco do gelado que estava a comer sobre a sua perna.
— Já sabe porque estou aqui. Podemos falar agora?
— Claro – disse já sem me olhar, limpando a perna bronzeada, a pele sedosa que a saia curta deixava ver.