História de uma vida que o protagonista não reconhece, numa cidade em que não se revê. Ostracizado por um mercado de trabalho que o vê como irrelevante, o personagem subsiste com ocupações de circunstância, que lhe roubam tempo de vida e nada lhe aportam, permitindo-lhe apenas sobreviver. “Uma Ponte para Nenhures” é a história de um homem que a sociedade deixou à margem, e do caminho por ele seguido em busca de tranquilidade.
Genre: FICTION / GeneralA coisa desenvolvia-se sempre da mesma maneira.
Começava com ele a subir a colina, vindo do nada, numa bicicleta daquelas pequenas, de criança, roda dezoito ou até menos, não tinha como saber, com os joelhos e os cotovelos esticados, assim, para fora, tentando equilibrar-se sobre o minúsculo assento, assistindo com os pedais o impulso dado pelo insignificante motor eléctrico, coisa que nem sabe se é possível.
Como um palhaço no redondel de um circo; só lhe faltavam o nariz vermelho e os sapatos de palmo e meio.
Alguns carros ultrapassaram-no – não muitos, considerando a hora tardia – os condutores manifestando o seu desagrado, por ele estar a ocupar um espaço que só reconhecem como deles, com um bramir incessante de buzinadelas que gera uma gigantesca cacofonia.
Chegou à crista da colina e passou em frente ao posto da guarda.
Olhou para lá e viu três uniformes à porta – são sempre três – entretidos em conversa, enquanto chupam por maquinetas electrónicas de fumo.
Uns quantos silvos insistentes de um proverbial e autoritário apito, e fizeram-lhe sinal para sair da estrada, para se dirigir para o posto.
Ele fingiu que não os via, e continuou a pedalar com todas as forças em direcção à ponte, a estrutura vermelho-ferrugem da qual se erguia frente dele, agourenta, as torres de suporte como escadas gigantescas que um qualquer gigante fixara no leito do rio e depois abandonara, para serem absorvidas pelo nevoeiro cerrado, com a excepção das luzes vermelhas de aviso à aviação, encandeantes como os olhos de um colossal demónio metafísico (...)